A coragem da criatividade

A coragem da criatividade

Pontificio Collegio Portoghese

 

OMELIA – 23 novembre 2017

 

LETTURE: 1 Mac 2, 15-29; Sal 49 (50); Lc 19, 41-44 

 

No Evangelho, Jesus recomenda-nos sermos prudentes como as serpentes. No entanto, Ele provocou as autoridades religiosas e políticas do seu tempo. Pegou num chicote e expulsou os vendilhões, que profanavam o templo. Violava o Sábado e frequentava a casa de gente de má fama. Chamava raça de víboras aos chefes espirituais do povo. Que prudência é esta? – Jesus tinha uma alternativa... Não deixar Nazaré e passar o resto dos seus dias como toda a gente. Podia ter-se calado perante as injustiças, ignorar as multidões esfomeadas de pão e sentido para a vida, fechar os ouvidos ao grito dos leprosos, cegos e doentes que gritavam por alguém que lhes valesse.

O Papa Francisco é acusado por muita gente de não ser suficientemente prudente. Dizem que se expõe demasiado e fala uma linguagem inapropriada para um Pontifice. Para Francisco é melhor correr riscos e enganar-se, do que renunciar a lutar pelos grandes valores, que dão beleza à vida. O Papa decide baixar dos seus aposentos e sentar-se à mesa com os pobres e “barboni”(sem tecto) de Roma. Não quer que eles sejam ignorados e convida-nos a não passar por cima da sua dignidade. – Também o Papa – como Jesus - tinha uma alternativa... E a alternativa seria fechar-se nos “sacri palazzi”, rodear-se de uma corte papal como os grandes e poderosos deste mundo, deixar-se servir por uns senhores vestidos de roxo e vermelho.

Mas surge logo a incómoda pergunta: Ainda reconheceríamos em Francisco o sucessor de Pedro - o humilde pescador da Galileia? Descobriríamos nos seus gestos e palavras a força transformadora do Evangelho? Um Papa encerrado nas 4 paredes do Vaticano, rodeado da chamada corte pontifícia, é uma figura do passado. Com Francisco o ceremonial e a formalidade de um estilo de vida pomposo, deu lugar à comunicação fraterna. O Papa Francisco repete que prefere uma Igreja que corre riscos, àquela das belas e intermináveis Liturgias. Ele convida a não termos medo, a tentar, a ter a “coragem da criatividade.” Esta palavra aparece 14 vezes na “Evangelii Gaudium”. No fim do Retiro em Ariccia, orientado há dois anos pelo P. Ermes Ronchi, convidou os membros da Cúria a terem a coragem de sonhar.

Claro que isto incomoda. Dentro da Igreja encontramos muita gente, que se limita a recomendar prudência e que nem se põe a interrogação, se determinadas mudanças são ou não desejadas pelo Espírito Santo. Gente que vive controlada pelo medo, como o servo da parábola, que correu a enterrar o talento, que o senhor lhe confiara. Ora Deus não é amigo dos nossos medos, da nossa prudência, com a qual tantas vezes pretendemos justificar os nossos medos. A fé não é qualquer coisa, que se guarda e mete numa caixa-forte. É vida, que se manifesta em obras. Nos Evangelhos ter medo

equivale a não ter fé. Bastem duas citações. Depois de acalmar a tempestade, Jesus diz aos seus amigos: “Porque tendes medo, homens de pouca fé?” (Mt. 8, 23-27). E a Pedro, que resolutamente se põe a caminhar sobre as águas e depois se enche de medo, Jesus diz:”Homem de pouca fé, porque duvidaste?” (Mt. 14, 29-31). Repito: Deus não é amigo dos nossos medos.

Estamos a entrar num ano novo litúrgico e somos desafiados a arriscar, a fazer caminho com Jesus desde os tempos da espera até à Páscoa e à vinda do Espírito. A fé diz-nos que Deus se comprometeu connosco e caminha connosco. Após a sua Incarnação – que celebraremos nos dias de Natal – esse Deus quis mergulhar neste mundo com as suas dores e alegrias, quis sujar as suas mãos ao serviço dos irmãos curando, dando esperança e paz a todos os desesperados. Não há vida cristã baseada no medo e sem este imergir-se no mundo. A coragem da criatividade, o sentido do outro, a alegria em servir constituem a marca de um cristianismo do nosso tempo. É um caminho longo. Um caminho a fazer... Um dos estudantes-padres com quem me sento todos os dias à mesa aqui em Roma, nega-se a prestar esse humilde serviço de se levantar e servir os irmãos. E argumenta: “Isso vai contra a minha dignidade de padre...” É verdade: o caminho é longo e que o ano novo litúrgico nos aproxime mais da meta.

 

P. Jorge Fernandes, SVD